29 de abril de 2015

A Fábula do Lobo Traficante – Fernando Portela

Wolf and Fox Hunt, c. 1615–21, Peter Paul Rubens
Wolf and Fox Hunt, c. 1615–21, Peter Paul Rubens (Flemish Baroque Era Painter, 1577-1640), Oil on canvas,
 96 5/8 x 148 1/8 in. (245.4 x 376.2 cm), Metropolitan Museum of Art, New York, USA


A sociedade dos cordeiros condenou aquele lobo a vinte anos de prisão.                                                                  Era terrível o seu crime: tráfico de entorpecentes. Por sua causa, milhares de cordeirinhos                 destruíram suas vidas. O lobo era o inimigo público número um.
Vinte anos depois, apesar desse e de outros lobos-traficantes terem sido presos,                                                       a sociedade dos cordeiros estava mergulhada no vício. Era um problema de segurança nacional.                     Talvez por isso um repórter resolveu entrevistar aquele lobo, à saída da penitenciária.                            Estaria ele arrependido? Teria consciência do que provocara? Sentia-se injustiçado?
Afinal, a sociedade dos cordeiros cumprira rigorosamente a lei. Só que alguma coisa estava errada.               Lobos-traficantes eram presos todos os dias, enquanto aumentava o consumo de drogas.                              Qual a opinião de um lobo que pagou vinte anos por um dos piores crimes contra a humanidade?
— Você quer mesmo saber? — foi logo falando o lobo. — O problema não se restringe a mim nem                     aos que me seguiram nessa profissão. Eu cometi parte do crime, reconheço, comercializando                           um produto proibido…
— E quem cometeu a outra parte? — indagou o repórter, ele próprio irritado com a desfaçatez do lobo.
— Ora, a sociedade dos cordeiros! — afirmou o lobo. Acaso fui eu que provoquei a corrida ao tóxico?           Como seria possível eu me tornar um traficante se não houvesse procura do meu produto?
“Isso faz sentido”, pensou o repórter. E arriscou outra pergunta:
— Como a sociedade dos cordeiros poderia ter evitado tudo isso?
— Ora, pergunte a ela, respondeu o lobo. Mas dificilmente a sociedade dos cordeiros concordará                    que tem parte dessa culpa. Para isso, seria necessário que cada cordeiro, em particular,                     meditasse sobre sua própria vida e o que considera melhor para o seu rebanho.                                                 Mas você sabe que meditar, refletir, ponderar e se autoanalisar é muito difícil,                                              quando há tantos lobos à disposição para assumir todas as culpas.
Quando a entrevista com o lobo-traficante foi publicada, a sociedade dos cordeiros reagiu:                                os lobos são criminosos irrecuperáveis, cínicos, arrogantes e diversionistas.
Para eles, só mesmo a pena de morte.

(Fernando Portela. Gazeta do Povo, Curitiba, 15/03/1984. Apud PRATES, Marilda. Reflexão & Ação em Língua Portuguesa
8.ª série. São Paulo: Editora do Brasil, 1984)


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