Documentário: Sem pena
O documentário "Sem pena", lançado em 2014 foi o
"Resultado de uma parceria do IDDD com a Heco Produções, o documentário Sem Pena desce ao inferno da vida nas prisões brasileiras para expor as entranhas do sistema de justiça do país, demonstrando como morosidade, preconceito e a cultura do medo só fazem ampliar a violência e o abismo social existente". Fonte: YOU TUBE
FICHA TÉCNICA
Gênero: Documentário
Duração: 87 min.
Ano: 2014
Estreia: 02/10/2014 (Brasil)
Direção: Eugênio Puppo
Produção: Heco Produções
Classificação: 12 anos
O
documentário Sem Pena se propõe a
descer “(...) ao inferno da vida nas prisões brasileiras para expor as
entranhas do sistema de justiça do país, demonstrando como morosidade,
preconceito e a cultura do medo só fazem ampliar a violência e o abismo social
existente”. Assim temos como ponto de partida do documentário uma narrativa
constituída do centro do sistema penitenciário e não uma visão unilateral
como a primeira vista possa parecer.
Nas primeiras imagens a câmera percorre corredores imensos
abarrotados de processos que ao decorrer das imagens podemos associá-las às
pessoas – personagens desse sistema. Nos relatos temos personagens diversas,
desde apenados à representantes do sistema judiciário. E nos relatos há em
comum as falhas no sistema prisional brasileiro. Dentre as falhas apontadas:
provas inconsistentes; corrupção policial; papel equivocado da polícia por ser
um braço armado do estado tendo como marca o viés repressivo e ser utilizada
para políticos; pessoas que cometem variados dividindo o mesmo espaço; cadeias
sem políticas de ressocialização, tornado-se “faculdade do crime”; advogados
como cúmplices pela manutenção do sistema; distanciamento das leis e da
realidade de sua aplicabilidade; dificuldade do preso em se reintegrar; alto
número de reincidentes, em torno de 75%.
Ante a tantas falhas alguns questionamentos: por que
prendemos se não dá certo? Por que se mantém um sistema prisional falido e com
um custo tão alto? Como modificar um sistema em que a pena é o centro da
sociabilidade e que é responsável por manter um aparato comercial em torno
dela? Como a mídia se apropria e perpetua o discurso da criminalização? Como
deixar de encarcerar tanto? Que políticas públicas poderiam ser adotas?
Um dos pontos
importantes acerca da criminalização refere-se justamente a fato de a pena ser
posta no centro da sociabilidade. Na fala de uma das personagens que diz: “Acreditamos
que a pena é quase uma divindade”, refere-se justamente ao fato de como a pena
é utilizada nos discursos para maquiar dados, pela mídia e para esconder
debates políticos e exemplifica que ao invés de se discutir sobre a reforma
agrária se aplica uma paródia de direito penal, dessa forma se esconde o debate
sobre a questão fundiária, com a criminalização você não precisa discutir
políticas. Você prende.
Outro aspecto relevante tem com a realidade de quem é o preso
brasileiro. São jovens, em sua maioria negros, que foram pegos em fragrante
negociando drogas e que se contrapõe ao estereótipo do preso que via senso
comum acredita-se que são todos assassinos. No entanto, ao contrário do que se
imaginam as prisões são povoadas por assaltantes, por crimes de furto, por
tráfico, por estelionato. E que há uma quantidade pequena de crimes mais graves
como neurose externa, crimes sexuais e assassinatos. O senso comum também é utilizado pelos juízes
como prerrogativa de atribuição de pena. Outro equívoco é acreditar que o
Brasil é o país da impunidade. Não verdade, cerca de 50% da população
carcerária não deveria estar presa.
O documentário reitera ainda que “o grande litígio que está
por trás do crime é entre o ter e o não ter, o estar incluído ou não estar
incluído”, ou seja, “o que está por trás do crime são os litígios históricos”.
Ao utilizar a metáfora entre uma aluna que cola em uma prova
de medicina e um ladrão que rouba um carro, temos o primeiro desvio como algo
aceitável e o segundo como um delito. No primeiro prejudica-se uma comunidade
inteira ao “dar” o diploma e validar um profissional sem ética, ao contrário do
ladrão que prejudicaria apenas uma única pessoa.
“A causa das injustiças nas sociedades modernas antes de tudo
é a passividade na vida”, têm-se um discurso de tolerâncias às diferenças, mas
essa diferença é aceita à medida que “ela é mediada por uma forma de controle,
por uma forma de segurança. Se a diferença sair por aí, se perder o controle
ela vira uma ameaça e deve ser abatida. “É um cinismo, uma hipocrisia dizermos
que somos sociedades que cuidam das diferenças” “Todo o processo de
diferenciação vira um atrás, vira uma ofensa. Então os sistemas de justiça
estão ai para dar corda aos ofendidos. Mas a ofensa, na verdade, é um grande
negócio, basta observar as práticas legais e judicialização da vida que
acontece o tempo inteiro, a vontade de enquadrar, a vontade de processar, a
vontade de lucrar com isso e não é apenas um lucro econômico, é um lucro
afetivo dos impotentes, é um modo de gozar, de continuar na vida achando algum
interesse. Poderia haver outra justiça que não essa vingativa? Só que o
sentimento de vingança é a base material para o capitalismo funcionar”, tal
sistema se perpetua por universidades que garantem em seu currículo um
profissional ideologicamente orientado para servir ao mercado, e servir ao
mercado na área penal excluir aquele consumidor falho, e tirar da vista da
classe média aquele que não é adequado a esta economia de mercado.
Tece uma crítica ao judiciário que além de utilizar o senso
comum como prerrogativa de julgamento, também exerce um papel equivocado, desse
modo, a expressão “sem pena” não trata-se de uma expressão de pena como
sinônimo de piedade, mas com o sentido de ser excludente, de não ter pena, pois
se a condenação não segue os trâmites impostos pela legislação, não há pena,
mas sim, há punição.
(GLB e Rosane Hart)
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