ESCOLA DE EDUCAÇÃO
BÁSICA JOSÉ BOITEUX
Rua Marechal Câmara, 182, Estreito,
Florianópolis, SC.
Professora: Rosane Hart Disciplina: Português
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Metáforas e eufemismos
"‘Dá
uma preguiça desgramada’, disse o presidente Lula sobre o ato de ler, ao
inaugurar a Bienal do Livro, em São Paulo, semana passada. Os jornais
repercutiram a declaração no dia seguinte, dedicado ao índio. Ler seria, então,
entretenimento de silvícola, mais conhecido como programa de índio? Não, o
presidente usou outra de suas célebres metáforas e comparou a leitura a
indispensáveis caminhadas de adultos sedentários.
Ano
passado, no primeiro semestre, havia excessiva indulgência com as gafes do
presidente, motivada pela inédita chegada de um ex-operário à Presidência da
República. Naqueles primeiros dias, nem isso se poderia dizer, ex-operário, sem
que olhares à sorrelfa, telefonemas repreensivos e outras duras mensagens
corretivas tentassem reeducar a quem ousasse vituperar qualquer declaração de
Lula. Era vigilância exagerada sobre quem tem o direito e o dever de escrever
com liberdade.
O
dever da liberdade? Isto mesmo! Quem escreve, tem, não apenas o direito à
liberdade, mas também o dever de exercê-la em seu ofício. O cineasta Luís
Buñuel tratou da questão com ironia num filme desconcertante, intitulado
justamente O fantasma da liberdade.
A chegada de Lula à
Presidência da República deixou tão desarrumados os modos clássicos de
criticar, que somente os mais preparados garantiram a sobrevivência do
requisito básico de quem escreve: a liberdade.
Somos,
porém, um povo ciclotímico, que alterna generosidade e clemência, maldade e
insensatez. Às vezes, é proibido elogiar. Outras vezes, é proibido reprovar.
Ora, a crítica isenta pressupõe endossos e recusas. Os recentes eventos da Rocinha,
a execução de prisioneiros em Rondônia e a chacina de garimpeiros na Amazônia
oferecem contrapontos problemáticos aos defensores de nossa proclamada
cordialidade.
Chico
Buarque e Ruy Guerra resumiram a alma brasileira nestes versos de Fado
tropical: ‘Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar,
trucidar,/ Meu coração fecha aos olhos e sinceramente chora...’ (...) ‘E se a
sentença se anuncia bruta,/ Mais que depressa a mão cega executa,/ Pois que
senão o coração perdoa’.
Este
contraditório espírito nacional baixou sobre nossa imprensa, antes compassiva
com as gafes presidenciais e agora rigorosa com o presidente Lula. E, no caso,
ocupando-se de seu português, alguns jornalistas tacharam como gafe a expressão
que ele utilizou ao comparar o ato de ler com o de fazer ginástica.
Outra
vez perderam a medida. Lula não cometeu gafe. Ao contrário, utilizou um
eufemismo para evitar uma palavra mais pesada. O eufemismo consiste em suavizar
a dureza de palavra ou expressão. Foi o que o presidente fez. Em vez de dizer
que ‘dá uma preguiça desgraçada de ler’, disse que ‘dá uma preguiça
desgramada’.
Invocações
a eufemismos ocorrem em outras esferas do poder, inclusive no Legislativo, onde
ele um dia enxergou, sem eufemismo nenhum, ‘trezentos picaretas’. Ali, as
ilustres personalidades utilizam abundantes eufemismos. Com efeito, não mentem;
faltam com a verdade. Não caluniam; exageram nas acusações. Não corrompem;
pedem favores a parentes, amigos e conhecidos. Não perseguem subordinados;
apenas extrapolam ou exorbitam de suas funções. Não são tampouco arapongas. Ao
bisbilhotar a vida alheia, atendem ao interesse nacional.
O
uso de metáforas e eufemismos não substitui o conhecimento da língua. Em vez de
‘ele morreu’, diz-se que ‘esticou as canelas’. Mas depende do contexto e dos
envolvidos. De um político não se diz isso, nem que ‘abotoou o paletó’.
Recomenda-se: ‘ele deixou a vida para entrar na História’.
Atos
e falas do presidente Lula, muito repetitivo em suas metáforas, indicam que ele
ouve muito, mas lê pouco."
Deonísio
da Silva (publicado em 27/04/2004 na edição 274)
Fonte: OBSERVATÓRIO DE
IMPRENSA. Metáforas e eufemismos.
Disponível em: <http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/deonisio_da_silva__24715>. Acesso em: 15 MAIO 2012.
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