13 de março de 2012

'Lições de português"


Excelente texto que muitos de nós, professores de Português, gostaríamos de ter 
escrito ou que fosse de algum ex-aluno.
"Lições do português


Hoje pela manhã bateu aquela saudade dos tempos de colégio. Nostalgia
gratuita que, vez por outra, alimenta uma ilusão semi-esquecida. Goma de
mascar embaixo da cadeira, lápis no chão para contemplar a calcinha da
professora, baladas no pátio embaladas ao som do Di Georgio e as aulas de
português. Ah! Como eu gostava das aulas de português. Sempre admirei o que
as palavras podiam mostrar, mas o fascínio maior era por aquilo que elas
escondiam; que diziam sem dizer.
Apropriando-me da “parte pelo todo”, posso garantir que grandes lições foram
e são ensinadas, mas não necessariamente aprendidas.
Um dos equívocos mais comuns cometidos mesmo por alunos aplicados no passado
diz respeito aos verbos. Amar, por exemplo. Somente conjugado no presente do
indicativo, afirmativo, na primeira pessoa do singular. E sempre questionado
em terceira. Cisma de que haja de fato essa terceira pessoa? Bem provável.
A transferência de atributos que este verbo vem sofrendo é, no mínimo,
curiosa. Eu amo virou eu possuo. Te amo é você me pertence. Pessoas se
tornaram objetos: diretos quando usados explicitamente e indiretos quando
uso é dissimulado. Tudo para que o tal verbo não seja conjugado no
pretérito, ainda mais no perfeito, que de perfeito nada tem.
Já o verbo respeitar é um tanto quanto paradoxal. Apesar de estar na pauta
de muitas discussões, é inconjugável na maioria das situações.
Em conflito, está o modo imperativo: não vai! Vou sim! Volta aqui! Volto
nada! A conseqüência deste discurso é uma acentuada desobediência à
concordância. A voz reflexiva até tenta consertar. Em vão. A ativa toma o
lugar da passiva e vice-versa e o que resta é o silêncio cortante da
incoerência.
O vocativo, antes esquecido e amparado pelas vírgulas, agora passeia
soberano pela boca de quem ordena: Fulano, chega! Cicrano, pára!
As coordenadas não têm mais vez. Foram engolidas pelas subordinadas.
Subordinação que não se restringe apenas às orações, ramificando-se para os
pronomes possessivos, os adjetivos mal empregados e, principalmente, para o
sujeito, antes simples, agora composto. E, muitas vezes, por um fenômeno
lingüístico, composto e oculto ao mesmo tempo. E essa regência imposta,
sequer o Professor Paschoali é capaz de compreender.
Nem mesmo a conotação poética de algumas frases tais como “você é tudo para
mim” ou “você é uma rosa”, consegue remendar erros interpretativos da vida
afetiva. As figuras de linguagem, exceto a hipérbole e a metáfora, parecem
ter se rebelado contra a coesão, derivando-se assim tempos e os modos
primitivos, vigentes nesse tipo de envolvimento.
Se seguissem às orientações do velho Aurélio, alguns preceitos já seriam
concebidos de forma diferente. Segundo ele, relacionamento é a ligação
afetiva condicionada por uma série de atitudes recíprocas.
Reciprocidade. Liberdade. Sufixos iguais, palavras complementares numa
relação.
E como a língua portuguesa condena o didatismo exato, a verborragia aí de
cima pode ser interpretada como convir ao leitor."

*Fonte*: http://oqueinspira.blogspot.com
Posted: 12 Mar 2010 04:23 AM PST
 Autor: Matheus Arcaro
(fonte no final do texto)

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